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domingo, 17 de abril de 2011

A Liberdade é Azul

A Liberdade é Azul (Trois Couleurs: Bleu) - 1993. Dirigido por Krzysztof Kieslowski. Roteiro de Krzysztof Kieslowski; Krzysztof Piesiewicz; Agniezka Holland; Slavomir Idziak & Edward Zebrowski. Música de Zbigniew Preisner. Direção de Fotografia de Slavomir Idziak. Produzido por Marin Karmitz. CAB; CED; Eurimages; France 3; MK2 & Tor / França-Polônia-Suiça.

 

Na última segunda-feira (11/04), a lei que que proíbe o uso do véu islâmico integral (aquele que só deixa uma pequena abertura na altura dos olhos) entrou em vigor na frança. O uso da burca está proibido nas ruas, transportes públicos, lojas, escolas, agências de correio, tribunais, hospitais e prédios da administração pública . As mulheres que desobedecerem a lei estarão sujeitas a uma multa de 150 Euros e a um curso de educação cívica. A lei vem causando polêmica desde quando ainda estava tramitando no congresso francês, a população está dividida, há quem vê a lei como um atentado à liberdade individual e de crença e há os que a vêm como uma forma de proteger as mulheres contra o uso do véu, que conforme justificam seria ago arbitrário, imposto pela religião e pelos maridos das seguidoras do islamismo mais radical. 

Achei interessante mencionar este tema tão atual no início desta resenha, pois ele ilustra categoricamente como o ideia da liberdade pode se tornar por vezes ambígua e contraditória. Na polêmica dos véus podemos perceber que ambos os lados recorrem à liberdade para justificarem seus pontos de vista. Curioso é que o mesmo país que ostenta em sua bandeira uma cor que representa o ideal da liberdade, que reprime a prática de um costume, cuja a decisão de praticar deve, ao menos em tese, partir da pessoa que escolhe seguir àquela tradição religiosa. A fragilidade do ideal tem tudo a ver com a Trilogia das Cores de Krzysztof Kieślowski, já deixei isso bem claro na resenha dos outros dois filmes e não é diferente em A Liberdade é Azul (1993). Neste filme, o primeiro na ordem cronológica, encontrei mais uma peça que ajudou a dá um sentido mais amplo às outras duas histórias.


 

Julie (Juliette Binoche – linda e exuberante como sempre) se vê diante do que poderia ser a liberdade completa, ela está livre do casamento, das obrigações familiares e da administração de seu lar. Mas esta liberdade não é nada boa, na verdade este parece ser o pior momento de sua vida, ela acabou de perder o marido e a filha de 5 anos em um acidente automobilístico e agora ela tenta se desapegar da antiga rotina para simplesmente continuar vivendo. Esta história simples trouxe a peça que me faltava para uma compreensão mais ampla da trilogia e que só agora eu consegui encontrar: os ideias em si não podem nos trazer a felicidade, esta só pode encontrada nos relacionamentos e nos sentimentos compartilhados. Isto também pode ser percebido nos outros dois filmes, em A Igualdade é Branca (1994), o personagem principal não encontra mais a felicidade que tinha no casamento, nem depois de concretizar sua vingança contra a ex-esposa, em a Fraternidade é Vermelha (1994) entendemos que a fraternidade pode destrutiva, ao vermos que uma boa ação pode destruir o já fragilizado relacionamento de uma família.

Nesta história, Patrice, o marido de Julie, estava compondo o Concerto Pela Unificação da Europa antes de morrer. A música deveria ser executa simultaneamente por orquestras de diversos países do velho continente. A conclusão da obra inacabada é atribuída a Julie, que também é compositora, mas ela não consegue encontrar dentro de si o sentimento de união que a composição demanda. Ela que está despedaçada pela perda, não consegue materializar o sentimento que o marido falecido começara a dar à música. Nesta situação percebemos outra vez que a ventura que se deseja alcançar não está nas abstrações de conceitos filosóficos e sim nos sentimentos de cada indivíduo, que por sua vez é moldado e influenciado pela fragilidade de suas relações.


 

Após assistir aos três filmes, fica bem mais fácil ensaiar uma interpretação mais ampla da Trilogia das Cores, cada um dos filmes são alicerçados pela ideia da morte das ideologias e da fragilidade do ser humano em suas relações. As histórias transferem para a espera dos relacionamentos de cada indivíduo a felicidade que ele busca em ideias que estão tão desfigurados e tão distantes. De acordo com este ponto de vista, a liberdade, a igualdade e a fraternidade são sim coisas positivas, mas em determinadas situações é melhor estar preso ao que se ama do que ser livre, é melhor ter as diferenças respeitadas e compreendidas do que ser igual e é melhor não ser fraterno, quando tal fraternidade fizer mais bem ao nosso ego que a pessoa a quem é destinada.

 

A Liberdade é Azul é tão formidável quanto A Fraternidade é Vermelha, mais uma vez a fotografia, a trilha sonora, as atuações nos deixam boquiabertos. A poesia parece saltar de cada uma das cenas. Em alguns momentos parece ser quase palpável a dor que a personagem principal sente e os artifícios usados para isso são fantásticos, preste atenção em como a tela enegrece quando Julie mergulha na dor que está sentindo e nas cenas de close-up em que apenas a canção e a fotografia dão o tom do estado de espírito da personagem. Não tem como descrever a cena em que percebemos apenas pela sonoplastia e pela expressão facial de Julie, tomada pela frieza da cor azul, o suspense e a brutalidade de algo, que acontece fora de seu apartamento, que não nos é mostrado. Em outra sequência impecável a canção que toca é alterada à medida que a personagem reflete sobre as possíveis alterações a serem feitas na composição.

 

Vale lembrar que tal como os outros dois, este é um filme de sutilezas, ele possui um ritmo um pouco mais lento e mais melancólico que os outros, sem com isso deixar de ser maravilhoso. As sutilezas vão desde pequenas metáforas, que estão em todo o filme, à repetição de uma cena que aparece em circunstâncias um pouco diferentes em cada um dos filmes e à inserção de personagens das outras histórias que aparecem em algum momento da trama.

A situação que relembrei na introdução desta resenha pontua bem o quanto as reflexões propostas por Krzysztof Kieślowski acerca dos ideias são atuais e capazes de ainda causar polêmicas e discussões exaltadas. O diretor conseguiu descrever magistralmente a situação do indivíduo na pós-modernidade, que se encontra cada vez mais carente de relacionamentos que não sejam superficiais e cada vez mais confuso diante de um mundo que se sustenta sobre pilares que estão ruindo. Indico cada um dos três filmes, com a ressalva de que A Igualdade é Branca, apesar de ser o favorito do diretor, não merece o status de obra prima, que os outros alcançam com tamanho mérito. Recomendo!


Confiram a resenha crítica dos outros dois filmes da  Trilogia das Cores aqui no Sublime Irrealidade:


Assista ao trailer de A Liberdade é Azul no You Tube ! (clique no link)

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4 comentários:

  1. Muito bem colocadas as idéias e apanharam bem a intenção do cineasta. Adoro a música, sobretudo quando após individualizar cada instrumento há comando para tocar todos juntos e compor a sinfonia. Belíssima...

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  2. Muito bem colocadas as idéias e apanharam bem a intenção do cineasta. Adoro a música, sobretudo quando após individualizar cada instrumento há comando para tocar todos juntos e compor a sinfonia. Belíssima...

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  3. Linda explicação sobre o filme, e pela colocação sobre a trilogia como um todo. Parabéns pelo trabalho!

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